sexta-feira, 6 de outubro de 2017

Blade Runner 2049 (2017)


Há alguns anos, eu escrevi aqui no blog ESSE texto sobre Blade Runner, o original. Nele eu elencava várias razões pelas quais eu não tinha gostado do filme quando vi naquela época. Recentemente, assisti à versão original dele, com narração e final feliz, e relacionando as duas versões, consegui entender e gostar mais do filme. Mas o que de fato me fez gostar mesmo dele, finalmente, foi Blade Runner 2049.

O filme segue a história do original, 30 anos depois: os replicantes foram proibidos de serem fabricados em 2022, após executarem um atentado terrorista que criou um grande blecaute que durou dias e apagou praticamente todos os dados armazenados no planeta. Apenas alguns anos depois, o empresário Niander Wallace (Jared Leto), depois de desenvolver tecnologias de bioengenharia para acabar com uma grande fome, ficou bilionário, adquiriu a Tyrell Corporation (que fabricava os replicantes originais) e conseguiu autorização para voltar a fabricá-los. No entanto, os antigos replicantes, com poucas ferramentas de controle, continuam sendo perseguidos pelos famosos Blade Runners.


O filme é maravilhoso. Ele completa, engrandece e continua a história do primeiro, sendo ao mesmo tempo respeitoso e inovador. Leva os acontecimentos do primeiro por caminhos novos, mas que se entrelaçam com o passado. Mostra a mesma Los Angeles vazia e escura do primeiro filme, mas sob outro olhar. Mostra com calma, quase contemplação, a jornada de K (Ryan Gosling), um Blade Runner que descobre um segredo que pode causar uma guerra entre humanos e replicantes. Essa jornada visita novos e antigos lugares, e mostra como os destinos daqueles e de outros personagens voltam a colidir tantas décadas depois.

Boa parte do mérito vai para o diretor Dennis Villeneuve, de filmes como A Chegada e O Homem Duplicado. Assim como em seus filmes anteriores, ele consegue criar uma história intrincada, porém de forma ao mesmo tempo calma mas não didática demais. As 2 horas e 43 minutos de filme não apenas passam suaves, como você se pega torcendo para que o filme não acabe. Ele não está apenas contando uma história, está relembrando, criando e mostrando aquele universo para quem ficou 35 anos sem ter notícias dele. O cuidado com as referências e a evolução do ambiente é visível, e você se sente na Los Angeles daquele universo, mas 30 anos depois. Um exemplo são as cenas entre K e Joi (Ana de Armas), especialmente a linda cena de amor entre os dois.



Mas claro, a jornada também tem que valer a pena. E Villeneuve faz isso com muita competência. A história também se desfralda sem pressa, se explicando aos poucos, com paciência mas sem floreios. Tudo eventualmente acaba se encaixando e fazendo sentido, e se algo parece estranho em um momento, vai acabar sendo explicado depois. A motivação inicial se encaixa perfeitamente no primeiro filme, é surpreendente, e, na minha opinião, muito bem pensada. E se desenvolve muito bem, em camadas e desdobramentos que não deixam o ritmo do filme perder fôlego. Obviamente, não é um filme de ação, mas te deixa tenso praticamente o tempo todo, mesmo assim.

Outra coisa que vem muito forte do primeiro filme, embora sob outra ótica, é o questionamento do que é ser humano. Qual a diferença entre o humano "nascido" e o "construído"? Por que os últimos têm que se sujeitar às ordens e aos trabalhos rejeitados pelos primeiros? Por mais que agora seja mais fácil identificar um replicante (embora haja uma "releitura" do teste de Voight-Kampff), o conflito entre os humanos e os "sem-alma", mas muitas vezes mais humanos, replicantes sob o ponto de vista existencial continua guiando o filme, de formas diversas (e diferentes do primeiro filme).


As atuações eram um ponto que me preocupava um pouco. Não sou o mais fã de Ryan Gosling, peguei uma bronca razoável de Jared Leto, e tenho certo medo quando Harrison Ford entra no automático. Pois esse medo aqui é plenamente injustificado: os três estão em papéis completamente aderentes a essas características (Gosling é o Blade Runner que pouco demonstra emoções, Leto é o bilionário que se acha Deus, e Ford, bem, Ford é Deckard). Mas o destaque mesmo é o elenco de apoio, quase totalmente de mulheres: Robin Wright (a policial chefe de K), Ana de Armas, Sylvia Hoeks (impressionante como Luv, a assistente replicante de Wallace), Mackenzie Davis (uma prostituta que cresce na história, e tem talvez a cena mais bonita do filme) e Carla Juri (uma designer de lembranças para os replicantes) roubam a cena em papéis maiores ou menores, porém todas com extrema importância para a história e o universo. Até Edward James Olmos (Gaff) e Sean Young (Rachael) têm suas participações, aumentando mais ainda a sensação de continuidade com relação ao filme original.


O visual é um dos principais trunfos do filme. A fotografia busca inspiração no visual caótico, noturno e chuvoso do primeiro filme, porém cria novos cenários, expandindo aquele mundo para outros ambientes, outras pessoas, outros mundos ali dentro. E tudo se justifica. Não há o mundo ensolarado e bucólico do final do filme original, porém finalmente vemos que as ruas apertadas e visualmente poluídas não são os únicos lugares disponíveis. Assisti ao filme no IMAX, e recomendo bastante, pois traz uma amplitude e imersão que ajudam bastante a "entrar" no filme. O 3D é discreto mas não incomoda. A trilha sonora está à altura: Hans Zimmer e Benjamin Wallfisch ajudam a criar a atmosfera, e trazem inclusive alguns toques do original de Vangelis, especialmente nos momentos mais conectados com o filme anterior. Confesso que senti um pouco de falta daqueles temas, mas o trabalho deles é impecável. E ainda tem Elvis, Sinatra, Righteous Brothers em momentos-chave.

Difícil apontar pontos negativos no filme. Alguns detalhes da história soam um pouco forçados, embora boa parte deles se explique mais adiante. Fora isso, fazia tempo que eu não saía do cinema tão maravilhado. Definiria Blade Runner 2049 como uma verdadeira experiência cinematográfica. Não é algo que se tem todo dia, mas é daqueles momentos que ficam na mente por muito tempo. Não se esvaem como lágrimas na chuva.

Nota: 9,4 (8o lugar na minha lista de melhores filmes)


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