sábado, 13 de dezembro de 2014

Rush: No Limite da Emoção (Rush, 2013)


Apesar de ser fã de esporte, nunca falei aqui no blog sobre nenhum "filme de esporte". Isso porque, em geral, tenho algumas reservas sérias ao subgênero. São filmes em geral difíceis de serem feitos de maneira decente, por algumas razões: é bem difícil filmar cenas esportivas de forma convincente; além disso, como história, acabam sendo "épicos" demais, com contos de superação que, se não forem bem dosados, facilmente parecem forçados ou pouco realistas.

Quis a ironia do destino que o filme que me faria voltar a respeitar o subgênero fosse logo de um esporte que pouco tenho acompanhado (e que eu, pessoalmente, tenho até reservas em chamar de um esporte): a Fórmula 1. Rush conta a história da rivalidade entre os pilotos James Hunt e Niki Lauda, desde que se conheceram na Fórmula 3 até a disputa entre os dois no Campeonato Mundial de 1976. E é fenomenal.


E por que achei tão bom? Primeiro, e principal, porque a história chega a ser inacreditável: a rivalidade, a disputa, o acidente de Lauda, seu retorno contra todos os prognósticos, a corrida final, o desfecho da história. E tudo (com alguns - poucos - exageros) aconteceu de verdade. Eu conhecia a história por alto (não sou velho o suficiente para ter visto ao vivo, mas sim para lembrar do Niki Lauda todo queimado), e não pude deixar de me empolgar em alguns momentos, mesmo já tendo noção de como a história acabaria.

A principal razão disso é o roteiro. Pode-se pensar que adaptar uma história real é mais fácil, já que ela está "pronta", mas muitos roteiristas tendem a se perder em detalhes, ter dificuldade em escolher o que tirar da história, ou inflar exageradamente partes da história para dar efeito dramático. Nada disso acontece aqui: a história é muito dinâmica, bem editada, se atendo bastante à realidade (segundo o próprio Niki Lauda, inclusive) e funciona muito bem em sua tensão e agilidade. Além disso, não tem o tal fator "redenção" que é muito comum em filmes de esporte, aquele cara que sofre horrores, mas luta contra tudo e contra todos para ser o campeão. Aqui não: temos "antagonistas" de carne e osso, com estilos muito diferentes (esses sim, um pouco exagerados às vezes), mas que não são herói ou vilão, e que buscam, cada um à sua maneira, seus objetivos.


Outro ponto de destaque é o esmero técnico da produção. As cenas de corrida são extremamente bem feitas, com carros da época, muitas delas filmadas nos próprios circuitos onde aconteceram (inclusive a cena do acidente de Lauda). A imersão nas corridas é total. Além disso, a caracterização dos atores como os personagens reais é impressionante. Eles não apenas se parecem e agem como as pessoas reais, como também a maquiagem em Daniel Brühl depois do acidente é bastante verossímil.


As atuações também são motivo de elogios ao filme. Muitas vezes, buscando pessoas fisicamente parecidas aos reais, a produção acaba deixando em segundo plano o talento dos atores. Além disso, o próprio ator tenta imitar a pessoa real de tal modo que acaba soando artificial. Também não é o caso aqui. Sou fã de Daniel Brühl, e já falei dele aqui em Adeus Lênin, então não é novidade que é um excelente ator, muito versátil e, portanto, um excelente Niki Lauda, sem exagerar na "cópia" mas mostrando as principais características do piloto. Até Chris Hemsworth, em geral um ator mediano (e que poderia ser o erro que comentei acima, o ator muito parecido mas pouco talentoso), funciona muito bem como o playboy talentoso James Hunt, passando de maneira convincente o senso de irresponsabilidade que o tornava um bom piloto mas não o levava a se aperfeiçoar. E, como coadjuvante, destaco Alexandra Maria Lara, uma bela e excelente atriz romena (de O Leitor e A Queda) que vive a socialite que se casa com Lauda semanas antes do acidente.


Portanto, se você é como eu, perca seu preconceito com Fórmula 1, filmes de esporte e/ou baseados em fatos reais e, se não viu, veja Rush. Se não gostar, pode fazer como James Hunt no final e me dar um soco (PS: Essa cena sim é inventada e não aconteceu na vida real) :-)

Nota: 8,5 (38o. na minha lista de filmes favoritos)

terça-feira, 2 de dezembro de 2014

[Top 10] Cenas musicais

Depois de tanto tempo escrevendo no blog, pensei em fazer um novo tipo de post. Nada extremamente original, o que mais tem por aí é blog com listas. Mas, de todo jeito, achei legal selecionar os meus melhores no cinema em alguns critérios. Para começar, as 10 cenas musicais que mais gosto. Não coloquei aqui cenas de musicais, preferindo aqueles filmes onde a música em um dado momento se torna um personagem. As cenas não estão em ordem de preferência e representam o meu gosto pessoal, podendo ser cornetadas à vontade nos comentários:

Ferris Bueller na Parada - Curtindo a Vida Adoidado

Já começo com a minha favorita, que marcou uma geração de espectadores da Sessão da Tarde juntando Beatles (e Danke Schön) com o maior matador de aula do cinema. É surpreendente, é emocionante, engraçada. Paro pra ver toda vez:



O concurso de Twist - Pulp Fiction

Essa também já nasceu clássica. Aparentemente aleatória na história do filme, mas juntando o fetiche de Tarantino por Uma Thurman e o passado "dançarino" de John Travolta (que foi praticamente ressucitado pelo diretor nesse filme), com uma coreografia propositalmente amadora e tosca, que virou um cult instantâneo:



Fila do Banco - Ou Tudo Ou Nada

Nesse excelente filme, um grupo de desempregados ingleses promete um strip-tease "até o fim" como forma de conseguir dinheiro, em um país recessivo e com poucas esperanças. Um tema sério, mas levado com bastante humor. E a cena musical que mais gosto reflete bem essa dualidade: na fila para receber o seguro-desemprego, aos poucos os homens, quase sem perceber, estão dançando de forma coreografada, de acordo com o que vêm ensaiando. Simples, mas marcante:



Clipe inicial - Letra e Música

Um filme bastante esquecível, com Hugh Grant e Drew Barrymore fazendo mais do mesmo em relação a papéis, mas com uma abertura que os anos 80 não teriam feito melhor:



Uncle Fucker - South Park: Bigger, Better and Uncut

Essa entra pelo inusitado. É tão surreal que eu não conseguia parar de rir no cinema. A música (composta basicamente de palavrões e ofensas) conseguiu a proeza de ser indicada ao Oscar e ser cantada durante a cerimônia:



Apresentação de Marty McFly no Baile do Encanto Submarino - De Volta para o Futuro

Outra clássica. Marty, sob risco de sumir da existência caso seus pais não se apaixonem, tem que cobrir a ausência de um guitarrista no baile. Durante a romântica "Earth Angel", seus pais finalmente se apaixonam, e depois vem "Johnny B. Goode" para espanto da platéia dos anos 50 que o assiste. Fantástica:



Coreografia no deserto - Priscilla, a Rainha do Deserto

Além de divertidíssimo, esse filme foi um dos primeiros a retratar a causa gay com tal naturalidade, e de maneira séria porém tornada leve. Essa cena é um retrato de todo o filme, mostrando o "choque" entre o exagero das dançarinas em contraste com os "caipiras" da Austrália.



Bohemian Rhapsody - Quanto Mais Idiota Melhor

Digo apenas que após essa cena, é impossível ouvir Queen no carro e não bater cabeça:



Tocando Piano no Chão - Quero Ser Grande

Se você viu essa cena na Sessão da Tarde e nunca quis tocar piano desse jeito, você não foi uma criança feliz:



Tango - Perfume de Mulher

Termino com essa cena clássica, de um filme não tão clássico assim. Não dava para esquecer Al Pacino, roubando o filme (que nem é tão bom assim), como o coronel cego que dança tango:



Bonus Track - Tango - True Lies

Vou trapacear aqui um pouco pra colocar outra cena, já que ela usa a mesma música da anterior. No subestimado True Lies, Schwarzenegger é o espião que finge tão bem para sua mulher que tem uma vida sem graça que ela acaba acreditando. No final, vira espiã também, e vem mais tango por aí (infelizmente, nesse caso, dublado em russo):



Menções honrosas: 500 Dias com Ela, O Casamento do Meu Melhor Amigo, Pequena Miss Sunshine, 10 Coisas que Odeio em Você

Esqueci alguma? Exagerei? Comente.

quinta-feira, 20 de novembro de 2014

Os Pássaros (The Birds, 1963)



Os poucos que me lêem por aqui sabem que não tenho preconceito com clássicos (pelo contrário, gosto de muitos), não faço questão (na verdade, nem gosto muito de) histórias fáceis, e gosto de filmes do Hitchcock (Um Corpo Que Cai e Janela Indiscreta são excelentes filmes). Então peço sua ajuda, caro leitor: onde é que estou errado em achar Os Pássaros um filme péssimo?

Não costumo escrever muito aqui sobre os filmes que não gostei. Em alguns casos, escrevo só pra descer a lenha no filme mesmo (como Menina de Ouro), mas em outros, como Blade Runner, tento entender o porquê de não ter gostado do filme, já que é tão famoso e tanta gente parece gostar. Esse é o caso aqui: tentarei listar as razões pelas quais eu odiei o filme e peço que me ajudem a entender nos comentários. Obviamente, falarei bastante da história, então segue o aviso: se você não viu e ainda quer ver o filme, não leia o texto. Contém spoilers.

O filme conta a história de uma região litorânea perto de San Francisco, onde, sem razão aparente, todos os tipos de pássaros começam a atacar as pessoas. Sem entender bem o que acontece, os moradores tentam se proteger e fugir da ameaça.



Situações inverossímeis e mal desenvolvidas: a moça conhece o rapaz em uma loja de pássaros, depois manda um "stalking" agressivo, descobre onde ele passa o fim de semana e vai atrás com a desculpinha de "presentear a irmã dele com periquitos" (?). Após uma tentativa patética de se esconder, é descoberta e... nada acontece. O rapaz leva isso numa boa, e o fato tem quase nenhuma importância para o filme. A moça conhece a professora local, descobre que ela é um ex-caso do rapaz, e... nada. A professora conta para ela que a mãe do rapaz é perigosa e foi a responsável pela separação deles, a mãe faz umas caras sinistras para a câmera, e... nada. Eu poderia dar outros exemplos, mas a impressão que dá é que Hitchcock foi abrindo situações para o filme e depois as descartou sem cerimônia. Ou tirou seus desdobramentos do filme na edição.

Sem falar que, em boa parte dos momentos, as pessoas não reagem como alguém real reagiria. As pessoas, sabendo da ameaça dos pássaros, se colocam em situações de risco. A moça stalker inventa uma historinha muito da vagabunda quando o rapaz a "descobre" "escondida" em um bote no meio do lago. Ele acredita. Toda a cena do bar, quando a moça tenta convencer as pessoas que os pássaros atacaram a escola é simplesmente inacreditável. Em vez de buscar saber o que aconteceu, as pessoas dão uma de malucos: uma mulher fica recitando nomes científicos de pássaros, outro passagens da Bíblia, e uma mãe tampa as orelhas dos filhos para que eles não fiquem com medo de ir à escola. Parte do bar acusa a protagonista de causar os ataques (moralismo, Hitchcock, jura?). Poderia simbolizar o surrealismo da situação (como assim, pássaros atacando pessoas?), onde ninguém sabe como reagir, mas para mim soou apenas como uma cena irritante e sem propósito.



Atuações constrangedoras: para quem já teve James Stewart, Kim Novak, e Anthony Perkins, o casal formado por Rod Taylor e Tippi Hedren (quem?) é quase uma vergonha. Ambos têm carisma negativo, e pouco ajudam em dar alguma vida aos diálogos e situações ruins do filme.

As mulheres: tudo bem que o filme é dos anos 60, mas o próprio Hitchcock, em filmes anteriores, já havia criado personagens femininas mais bem desenvolvidas. Aqui, mesmo a moça stalker, que dá uma de independente, quanto a professora que largou tudo por um amor, são personagens fracas, rasas, que passam o filme todo querendo ser "salvas" por um mocinho que não diz a que veio. Já a mãe do protagonista, pintada como a "megera" que destruiu o relacionamento dele com a professora, passa o filme todo caindo pelos cantos, e no momento em que começa a criar (ou parecer que cria) um vínculo com a protagonista (e você acha que pode ser algum tipo de manipulação), adivinhe!, nada acontece.

O final: Nada contra finais abertos, de maneira alguma. Um dos meus filmes favoritos, Feitiço do Tempo, não explica absolutamente nada e é genial. A cena do confinamento dentro da casa, que supostamente deveria ser o ápice do horror, é chata e previsível (e o que a moça foi fazer no telhado, afinal?). Tudo bem, é um filme de 50 anos atrás, podemos dar um desconto. Aí a cena de suspense apoteótica, com ele saindo para buscar o carro, aquela tensão toda, e...nada. Você ainda tem uma esperança quando a garota pede para levar a gaiola dos periquitos, mas (adivinhe de novo) nada. Os últimos 20-30 minutos de filme se tornam apenas um estorvo inútil. Vamos lá, você é o Hitchcock, pode fazer melhor, vai!


"Mas o filme não tem nada de bom?", você que resistiu até aqui pode me perguntar. Olha, a menos que o pessoal nos comentários mostre que estou errado (o que eu realmente quero que aconteça), para mim, muito pouco. A premissa principal é bem bolada, e o trabalho de produção e filmagem, com o tanto de pássaros que foram necessários, impressiona. Mas só isso. E o pior é que eu esperava muito, por se tratar do considerado "Mestre do Suspense", de quem já vi filmes ótimos. Mas, novamente, posso ter visto o filme em um dia ruim, ou simplesmente ter sido burro para entender as referências. Por isso peço: me malhem nos comentários ou no twitter. Quem sabe eu mudo de opinião. Torço para isso.

Nota: 2,0 (entra na lista dos 10 piores filmes que já vi)

sexta-feira, 14 de novembro de 2014

Frozen - Uma Aventura Congelante (Frozen, 2013)


Faz tempo que esse post está no rascunho, mas demorei a escrever porque não sei de fato o que falar de novo sobre esse filme. Em especial, não consigo entender muito bem porque, com animações da Disney sendo produzidas industrialmente, logo esse fez tanto sucesso, especialmente entre as meninas. Pensando nisso, tentei entrevistar a especialista em filmes de animação infantis aqui de casa, a Manu, 6 anos, que já viu o filme mais de uma dezena de vezes, no mínimo.

A história, como você provavelmente já sabe: Em um reino nórdico, duas princesas irmãs (Elsa e Anna), após perderem seus pais, se preparam para a coroação de Elsa, que tem o poder oculto de transformar as coisas à sua volta em gelo. Tudo dá errado, ela congela todo o reino e foge. A partir daí, Anna enfrenta o inverno inesperado para resgatar sua irmã e devolver o reino a seu estado natural.


Manu não soube me explicar muito bem do que gostou ("Ah, papai, tudo é legal"), mas suspeito que um primeiro ponto, ainda que ela não saiba, seja justamente esse: duas personagens principais são mulheres, e muito do filme se passa entre elas, sem que se defina "herói" e "vilão" e sem necessariamente uma presença masculina forte e inabalável, tão comum nas fábulas infantis. Em um dado momento, os próprios personagens tripudiam de uma delas que decidiu se casar muito rápido. Acho que isso tem um certo apelo a uma geração que cresceu sem o conto de fadas dentro de casa.

Outro fator importante é algo mais imponderável: o carisma dos personagens. Não há exatamente um personagem fraco ou sem graça. As irmãs são personagens amáveis, bem desenvolvidas, e, claro, lindas. Olaf, o tradicional alívio cômico, acerta em cheio no carisma, e, pasmem, na dublagem de Fábio Porchat. Os demais seguram bem a onda e não comprometem.



Outro ponto importante: a trilha sonora. As músicas são interessantes e bem colocadas, no tradicional modeo Disney de colocar uma música no momento mais importante para explicar o que o personagem está sentindo. Até Shrek já satirizou isso. Porém, acho que aqui está o maior trunfo do filme: Let It Go.


É impressionante a atração que essa música tem sobre as crianças (e o chiclete que vira na cabeça dos pais, claro). Não sou músico, então nem vou tentar explicar a razão, mas é incrível como a canção (vencedora do Oscar) é redondinha e agradável. O DVD do filme traz clipes dela em várias línguas e (como a Manu já viu todos, claro) posso dizer que é igualmente magnética até em malaio.

No mais, visualmente o filme é muito bonito, já que a paleta de cores do inverno é bastante favorável. A animação é bem avançada, muito bem feita, e o 3D funciona bem com os cenários de neve e gelo. Algo que não me agradou é o "plot twist" do filme, que não vou comentar aqui, mas achei tardio e inexplicável. Talvez um efeito colateral dos personagens mais "cinza", e portanto sem uma definição clara de "bem" e "mal" tão presente nos filmes infantis. Me soou muito forçado, e por mais vezes que eu veja (e, acreditem, já vi muitas), não consigo uma explicação decente para o que acontece, e porque não acontece antes.



No entanto, o saldo é positivo. A mensagem de amor do filme é bonita e contradiz o modelo tradicional de "princesa aguarda príncipe que salva tudo e se apaixona por ela". Só isso já mostra uma enorme evolução. Mesmo que a Manu não saiba explicar porque gostou tanto do filme, não vou achar ruim que ela goste nem que assista centenas de vezes. :-)

Nota: 6,0

terça-feira, 21 de outubro de 2014

De Volta para o Futuro Parte II (Back to the Future Part II, 1989)


Hoje, dia 21 de outubro de 2014, estamos a exatamente um ano do dia em que Marty McFly (acompanhado do Doc Brown e de sua namorada) chega no "futuro" para tentar salvar seu filho da prisão por um assalto. Sim, aquele futuro "distante", com carros voadores, hoverboards, e hologramas de tubarão está a apenas 12 meses de se tornar realidade. Será?

Mas, por mais que todos estejamos ansiosos com a possibilidade de andar de skate sem rodinhas, o que eu queria mesmo era aproveitar essa "comemoração" e falar do segundo filme da melhor trilogia que o cinema já viu, um dos poucos filmes "do meio" que supera os demais (de cabeça, lembro também de O Império Contra-Ataca). E um dos meus favoritos de todos os tempos.


Para mim, o filme é uma aula de "como fazer uma continuação". Repete o que deu certo no primeiro (mas sem exageros, como Se Beber, Não Case ou até alguns episódios da série Rocky) e constrói algo maior em cima disso. Agora que o espectador já entendeu as "regras" da viagem no tempo neste universo, roteirista e diretor as subvertem, escalando os problemas e transformando o filme em um vai e volta temporal que beira o caos, incluindo realidades alternativas, encontros entre diferentes versões do mesmo personagem, e até uma volta a 1955, onde tudo começou.

O principal fator de sucesso do filme é Robert Zemeckis. O interessante é que, segundo ele, não havia intenção de fazer uma continuação, e o final do primeiro filme indo para o futuro era apenas uma piada. No entanto, ao assumir o "desafio", ele soube ao mesmo tempo construir uma história interessante, com vários paralelos com o roteiro do primeiro filme, e fugiu da armadilha de "prever" o futuro criando uma 2015 caricata, estereotipada e muito divertida, sem relação nenhuma com a realidade.


Essa 2015 do filme foi um deleite para as crianças nerds da década de 80: hologramas, veículos voadores, aparelhos gigantes de TV com vários canais simultâneos, e até um óculos de informação pessoal que lembra bem o Google Glass. Mas, claro, o filme é muito mais do que isso. A história, como comentei, potencializa o efeito "fazer besteira no passado afeta o futuro": ao ir para 2015 evitar que seu filho seja preso, Marty McFly sem querer possibilita ao velho Biff encontrar seu eu do passado e entregar para ele um almanaque de resultados esportivos, possibilitando que ele fique milionário e domine Hill Valley. Para evitar que isso aconteça, ele e Doc Brown devem voltar à mesma noite de 1955 e evitar que o jovem Biff receba o almanaque, restaurando assim a 1985 original.



Com isso, novamente, apesar do "futuro" no nome, boa parte do filme se passa em 1955, dando ao espectador a chance de entender e até rever sob outra perspectiva alguns dos acontecimentos do primeiro filme, especialmente o Baile do Encanto Submarino, onde Marty havia conseguido reunir seus pais e garantir sua existência.

No mais, atuação, trilha sonora, tudo se mantém ou evolui em relação ao primeiro filme. No entanto, o roteiro mais intrincado, as piadas recorrentes e o tal "to be concluded..." no final (chamando para o inferior, porém ainda sensacional terceiro filme) fazem com que esse seja um pouco superior ao primeiro (algo muito difícil, diga-se). Agora é esperar um ano e ver se Marty McFly aparece com o DeLorean nos céus...

Nota: 9,8 (2o. colocado na minha lista de filmes favoritos)

(Link para o texto sobre o primeiro filme aqui)

terça-feira, 22 de julho de 2014

Os Dez Mandamentos (The Ten Commandments, 1956)


Há filmes que você não apenas assiste, mas faz quase uma opção de vida. Seja pelo tema, seja pela duração, seja pela imersão histórica que proporcionam. Houve um tempo no cinema que uma "superprodução" só era considerada como tal se tivesse esses três componentes: longa duração (longa mesmo, estou falando de no mínimo 3 horas aqui), temas grandiosos e imersão histórica (traduzida em altos orçamentos com locações, figurinos, além de grandes atores). Hoje a palavra perdeu um pouco do sentido original, mas foi a era dos ÉPICOS. Cineastas como Cecil B. DeMille, David O. Selznick, David Lean (de quem já falei em Doutor Jivago) em um dado momento (mais notadamente, as décadas de 40 a 60) se especializaram nesse tipo de filme, que até hoje povoa as reprises noturnas.

Pois foi ontem, em uma dessas reprises, que me deparei com Os Dez Mandamentos. Estava para começar, eu nunca tinha visto, e tudo que ele exigia de mim eram quase 4 horas de dedicação, abrindo mão de parte do meu sono. Era uma proposta tentadora demais.


Apesar de não ser religioso, conheço um pouco da história da Bíblia, ainda mais essa que é uma das passagens mais importantes do Antigo Testamento. Minha primeira surpresa foi perceber que, apesar de seu nome, o filme cobre muito mais do que a entrega das tábuas da lei por Deus a Moisés, cobrindo praticamente toda a sua vida. E o mais interessante é que a parte que mais gostei do filme é justamente o início, que conta desde seu nascimento até a descoberta de que ele é hebreu e consequente expulsão do Egito.



Nessa fase do filme, há de se destacar também um outro aspecto fundamental dos épicos dessa fase: a canastrice das atuações. Um filme de 3, 4 horas de duração não pode se dar ao luxo de "barrigas" muito longas, aquelas sequências de cenas em que o ritmo do filme cai. Assim, todo diálogo, toda cena tem que ser, também, épica. Isso favorece, e até pede, atuações e diálogos que tragam essa "grandiosidade" da produção em cada take. Portanto, os atores acabavam sendo meio "exagerados". Para mim, Yul Brynner, no papel de Ramsés II, personifica bem esse estilo de atuação, com seus trejeitos e impostação de voz. Há de se considerar a época e o filme, mas hoje em dia soa quase caricato. Charlton Heston tem, claro, o papel de sua vida como Moisés, que, por força da própria história, acaba sendo um personagem um tanto unidimensional, ainda mais em sua fase profeta. Quem me surpreendeu foi Anne Baxter, no papel de Nefertiri, futura esposa do faraó. Seu papel se encaixa um pouco na "sedutora vingativa" de A Malvada, mas ela é, pra mim, o destaque do filme em termos de atuação.


No mais, um épico como um épico deve ser: atores de destaque até em papéis secundários (até Vincent Price está no filme), locações grandiosas (parte do filme foi feita no Egito), cenas ambiciosas. Aliás, como disse acima, esperava um filme que falasse mais da peregrinação dos hebreus, e essa parte é tocada bem por alto na história, culminando apenas com a cena mais famosa do filme, a abertura do Mar Vermelho, um feito notável pela tecnologia de efeitos especiais da época (e risível hoje, claro). Não há muito o que dizer sobre a história, o "roteiro original" é uma história de milhares de anos e que se supõe literal, e adaptar uma história em 4 horas de filme não exige lá grandes soluções inventivas de roteiro.



O que acho mais interessante em assistir filmes antigos é entender o que se entendia na época por "contar uma história". Com a introdução primeiro do som, e depois da cor, no cinema, os diretores se sentiam compelidos a (e capazes de) contar grandes histórias. E faziam isso da maneira mais épica possível. Em tempos de "remakes" e de medo de espantar o público se o filme passa de 2 horas, tem um quê de "volta às origens" sentar na frente da TV e dedicar 4 horas (que, por sinal, passaram bem rápido) a uma história, por mais datada e piegas que ela soe hoje. Só isso já valeu as horas de sono perdidas.

Nota: 7,0

terça-feira, 4 de março de 2014

Gravidade (Gravity, 2013)



"Espaço, a fronteira final". Já na década de 60, com Star Trek, e mesmo antes disso, em Viagem à Lua, o espaço sempre fascinou o cinema, como morada do desconhecido, fonte de ideias novas, e como destino para a eterna busca do homem por novas fronteiras, povos, e até de entedimento sobre si mesmo. Talvez o maior exemplo disso seja 2001: Uma Odisséia no Espaço, onde a exploração do infinito pelo homem o leva a descobertas que o fazem entender e questionar a própria existência.




Com o tempo, e com a "corrida espacial" se tornando mais comum e trazendo cada vez menos novidades na vida real, o espaço em si foi aos poucos deixando de se tornar o protagonista das histórias, passando a um papel secundário, por exemplo, em filmes sobre extraterrestres, com poucas exceções, como o excelente "Contato". O homem cada vez menos olhava para cima em busca do desconhecido.

Esse é, para mim, um dos primeiros méritos de "Gravidade": o espaço talvez seja seu principal personagem. Mas não da maneira usual, como fonte de descoberta, conhecimento ou até destruição, mas sim como o "vilão" do filme. É de fato um paradoxo, o infinito como uma prisão, o local onde a existência humana é mais frágil.

Sarah (Sandra Bullock) não é uma habitante usual desse ambiente. Ela, que não é astronauta, está como técnica em um módulo espacial, fazendo alguns consertos, quando um acidente com um satélite russo lança destroços que acabam destruindo o módulo, deixando como sobreviventes apenas ela e o comandante da missão, o veterano Matt (George Clooney), que estavam do lado de fora. A partir daí, o filme conta a história desses dois personagens e sua luta para sobreviver com pouco oxigênio e chegar a uma estação de onde possam voltar à Terra, enquanto se protegem das ameaças inesperadas que encontram na jornada.





A história em si não tem grandes inovações, além do ambiente em que se passa. É a tradicional história de superação de alguém fora de seu ambiente, que luta contra ele para garantir sua sobrevivência. A tal jornada do herói sem tirar nem pôr. Mesmo as atuações não emocionam: George Clooney está em uma de suas atuações burocráticas (felizmente ainda não são todas assim), e Sandra Bullock, apesar de vitórias e indicações no Oscar, não tem essa qualidade toda para segurar o filme sozinha em termos de atuação. 

Mas de fato o grande destaque nesse filme é a parte "técnica": trilha sonora (jogando com o vácuo x música, na brincadeira do personagem do George Clooney de colocar som nos auto-falantes), som (e ausência dele), e principalmente na fotografia. A imensidão do espaço é extremamente bem representada, mas não só isso. Os takes com o ponto de vista dos personagens são muito interessantes - a primeira cena do acidente, onde a câmera acompanha Sarah girando passa uma sensação de agonia ao imaginarmos que ela não vai conseguir parar (lembre-se da inércia ao flutuar no espaço). Além disso, algumas tomadas bastante longas, especialmente na fuga de Sarah na estação chinesa, tornam o filme muito interessante tecnicamente, e, assim como Avatar, dá um passo adiante em termos de recursos para contar uma história no cinema.





Quem me acompanha (deve ter uns 2 ou 3...), sabe o quanto eu valorizo um bom roteiro, o quanto para mim fotografia, trilha, atores, tudo isso são ferramentas para se contar uma boa história. E que, sem um bom roteiro, o resto é desnecessário. Não acho que Gravidade chegue a esse ponto. É uma boa história, interessante, e tornada muito mais interessante com uma nova abordagem cinematográfica. E, resgatando o que eu disse lá em cima, transforma a imensidão na maior prisão, e isso também é agoniante. Pena que já saiu do cinema, especialmente do IMAX. É um dos poucos filmes que justifica o "exagero". E são poucos filmes que trazem algo novo, algo que te instiga a pensar no que pode ser feito a partir daí.

Nota: 8,1 (60o. na minha lista de filmes favoritos)

[abaixo, só para quem já viu o filme]


PS: Há teorias na internet que dão conta que Sarah morre no momento que desliga o oxigênio do módulo chinês, e que a visão que ela tem de Matt não é suficiente para que ela se salve, sendo apenas efeito da hipoxia (ausência de oxigênio). Acho um pouco forçado, mas só o fato de permitir esse tipo de leitura alternativa mostra que o filme tem também seus méritos de roteiro, não apenas de esmero técnico. 


domingo, 23 de fevereiro de 2014

Ela (Her, 2013)



O que é a consciência? Ter consciência nos faz ser humanos? Ser mais evoluídos? O que acontece se outro ser passa a ter consciência? E se esse ser for construído por nós?

Essas não são questões novas, do ponto de vista filosófico. E obviamente já foram abordadas no cinema, e inclusive neste blog, quando falei sobre Blade Runner. E esses são algumas das questões que vêm a mente ao assistir Her, o filme dirigido por Spike Jonze que concorre ao Oscar 2014.



Em um futuro próximo, em Los Angeles, Theodore (Joaquin Phoenix) é um homem recém-separado que vive sozinho e trabalha escrevendo cartas de amor para outras pessoas. Depois de adquirir um novo sistema operacional para seu celular, construído com inteligência artificial, passa a se relacionar com ele (voz de Scarlett Johansson), até que acaba se apaixonando.

Não é novidade que Jonze goste de abordar em seus filmes universos ligeiramente distorcidos, já tendo feito isso, por exemplo, em Quero Ser John Malkovich e Adaptação. No entanto, a primeira diferença desse filme é a "intensidade" dessa distorção. Não apenas a existência de tal sistema soa natural, como as reações de todos a esse fato são perfeitamente compreensíveis. Esse é o primeiro mérito do filme: rapidamente estabelece as condições da história e passa a falar sobre suas conseqüências.

E é de fato muito fácil acreditar no relacionamento entre Theodore e Samantha (o nome do sistema, que se auto-batiza quando Theodore pergunta como se chama). Inicialmente realizando de maneira eficiente atividades como gerenciamento de contatos, agenda e emails, Samantha aos poucos vai ganhando a simpatia de Theodore, tornando-se amiga, confidente, e por fim, namorada.



A partir daí, temos um filme sobre um relacionamento. Mas focado especialmente nas assimetrias: em uma posição relativamente cômoda como "líder" do casal, já que Samantha segue suas ordens, pode ser ligada e desligada a vontade, e não é uma pessoa que possa ser magoada, Theodore pensa ter encontrado a companhia ideal após a mágoa do fim de seu casamento. O que vem depois é, por incrível que pareça, um dos mais "reais" retratos sobre o amor do cinema recente.

Joaquin Phoenix está muito bem no papel, compondo um Theodore sempre meio soturno, mas fugindo da tentação do "pobre coitado abandonado". Ao mesmo tempo busca um relacionamento, encontra a oportunidade de algo bom, mas luta com suas próprias inseguranças e o medo da opinião dos outros. Tem seus momentos de solidão, os quais busca aplacar com sexo via internet ou videogame, triste mas não depressivo. Já Scarlett Johansson está impressionante como a voz de Samantha, ainda mais quando se descobre que o filme foi feito com Samantha Morton nesse papel, e Jonze decidiu trocá-la por Scarlett já durante a edição. Destaque também para a trilha sonora e fotografia, que compõem muito bem o "ambiente" do filme, dando um toque retrô apesar do tema futurista. Por sinal, a fotografia "vintage" dá bem esse tom de uma história que se passa no futuro, porém com um assunto praticamente tão antigo quanto o cinema.




Mas, claro, o maior mérito do filme é o roteiro, que aborda de maneira orgânica e natural assuntos dos mais diversos: amor, mágoa, amizade, expectativas, diferenças. E tudo de uma maneira extremamente sensível, simples mas sem ofender a inteligência do espectador, e preparando uma evolução da história que, se não é surpreendente no nível O Sexto Sentido, deixa ainda mais perguntas em aberto e assuntos para refletir. Não me emocionei a ponto de chorar como algumas pessoas me disseram, mas de fato não é um filme que sai da cabeça tão cedo. Se não é "material de Oscar" e provavelmente não vai ganhar estatuetas a rodo, como diria o outro, azar do Oscar.

Nota: 9,1 (14o. colocado na minha lista de filmes favoritos)