segunda-feira, 28 de outubro de 2013

O Sétimo Selo (Det Sjunde Inseglet, 1957)


“Quando o Cordeiro abriu o sétimo selo, houve silêncio no céu cerca de meia hora. Então, vi os sete anjos que se acham em pé diante de Deus, e lhes foram dadas sete trombetas. Veio outro anjo e ficou de pé junto ao altar, com um incensário de ouro, e foi-lhe dado muito incenso para oferecê-lo com as orações de todos os santos sobre o altar de ouro que se acha diante do trono; e da mão do anjo subiu à presença de Deus a fumaça do incenso, com as orações dos santos. E o anjo tomou o incensário, encheu-o do fogo do altar e o atirou à terra. E houve trovões, vozes, relâmpagos e terremoto. Então, os sete anjos que tinham as sete trombetas prepararam-se para tocar.” Apocalipse 8.1-6

A Morte. De todos os medos e dúvidas humanos, o mais fundamental, e o mais impossível de ser resolvido. Se não conseguimos entendê-la, pelo menos essa dúvida alimenta criadores e nos dá filmes como O Sétimo Selo. Extremamente alegórico, o filme conta a história de um cavaleiro medieval que, ao retornar para casa depois de muitos anos combatendo nas Cruzadas, encontra sua terra devastada pela peste, e se questiona sobre sua fé e sobre o sentido da vida e da morte.


Mas, claro, a parte mais conhecida e mais emblemática do filme é o jogo de xadrez com a Morte. Ao retornar com seu escudeiro, o cavaleiro Antonius Block é abordado pelo Ceifador, que comunica que veio buscá-lo. Buscando ao mesmo tempo adiar a morte e compreendê-la, ele a desafia para um jogo de xadrez, valendo sua vida. As cenas entre Block e a Morte são algumas das melhores do filme, onde ele, um bom jogador de xadrez, tenta enganá-la no jogo e ao mesmo tempo pergunta o porquê da vida, da morte, do sofrimento, da fé. Ao mesmo tempo, a Morte, com sua "serenidade eterna", sabe que vai ganhar e se evade de responder qualquer coisa, às vezes inclusive dando a impressão de que também não sabe as respostas, e só cumpre sua missão, assim como Block.

O filme também questiona bastante a fé, mostrando as diferentes reações das pessoas à perspectiva da morte. Block, que vê os acontecimentos à sua volta, duvida da existência de Deus e portanto não vê sentido nos anos de guerra em seu nome ("Temos que imaginar como é o medo e chamar essa imagem de Deus"); seu escudeiro Jons, que olha tudo de maneira cínica ("A fé é como estar apaixonado por alguém que vive no escuro e não vem quando se chama"); o povo das cidades, que varia de querer aproveitar a vida ao máximo a se flagelar em busca de redenção para seus pecados, visando fugir da praga, que acreditam ser um castigo divino.


Em resumo, os temas de Bergman nesse filme são o questionamento da fé e a inevitabilidade da morte. Não sou um grande fã do diretor (já falei aqui sobre Persona e além dele, já vi A Fonte da Donzela. Por falta de termo melhor, chatos pra cacete), mas nesse filme ele entrega uma fábula consistente, com grandes atuações, uma fotografia P&B muito bonita e, principalmente, uma história interessante e provocativa. Imagino a "polêmica" que causaria se fosse lançado hoje.

Por isso tudo, vale a pena vencer o preconceito (seja ele contra Bergman, filmes P&B ou filmes de "arte") e ver (e rever) O Sétimo Selo. Como eu costumo dizer por aqui, cinema é entretenimento, mas também é ótimo para dar o que pensar. Esse é um ótimo exemplo.

Nota: 8,0

quinta-feira, 3 de outubro de 2013

Brilho Eterno de uma Mente sem Lembranças (Eternal Sunshine of the Spotless Mind, 2004)


Vale a pena apagar parte de sua vida para se livrar de uma experiência traumática? Até que ponto funciona tentarmos de novo uma situação que nos deixou na pior? As conexões que fazemos em nossas vidas são mais fortes que nossa vontade? O que pode ser considerado traumático e o que é apenas nossa vontade de não querer sofrer?

Brilho Eterno de uma Mente Sem Lembranças aborda todas essas perguntas (e muitas mais) em um roteiro absolutamente brilhante de Michel Gondry e Charlie Kaufman (que também escreveu Adaptação e de quem já falei em Quero Ser John Malkovich). No filme, Joel (Jim Carrey), após muitas brigas com a namorada Clementine (Kate Winslet), descobre que ela se submeteu a um tratamento que visa apagá-lo de sua memória. Ou seja, ela preferiu passar o resto da vida sem saber mais que ele existia ou tudo o que passaram juntos. Com raiva, ele decide fazer o mesmo.


Para mim, o roteiro é o ponto alto do filme. A maneira de contar a história, que acaba se passando em boa parte na mente de Joel durante o apagamento de suas memórias, é sensacional. Durante o processo, ele se arrepende do que pediu, e seu inconsciente vai percorrendo as memórias, das mais recentes às mais antigas, tentando salvar alguma parte delas, junto com uma "Clementine" que ao mesmo tempo que o ajuda, vai relembrando as coisas boas que tiveram. As cenas de Joel e Clementine interagindo com suas memórias enquanto elas vão se desfazendo, tentando entender e "mudar" o que aconteceu ao mesmo tempo em que tudo vai sumindo são o ponto alto do filme, não apenas muito bem escritas como com soluções visuais inteligentes (e muito pouco CGI).

Mas não apenas as memórias de Joel são interessantes, mas muitos outros conceitos do filme: a própria empresa Lacuna Inc., que faz o procedimento, gera situações interessantes: a secretária que teve um caso com o chefe e acabou tendo a memória apagada quando a mulher dele descobriu, o técnico que aproveita a entrevista e os objetos de Joel para conquistar Clementine, as pessoas que "viciam" no procedimento...



Tecnicamente, o filme também é bastante bem-feito. Desde a fotografia e efeitos visuais, como comentei, até a trilha sonora (que interage bastante com o filme), mas principalmente as atuações. Não é de se estranhar Kate Winslet (na minha opinião uma das melhores atrizes jovens) tendo uma excelente atuação, mas é Jim Carrey que se destaca aqui. Mantendo sua versatilidade sem cair no humor careteiro que apresenta em tantos outros filmes, ele incorpora um Joel bastante sincero, e se destaca bastante nas cenas em sua memória, onde as leis do mundo real não se aplicam, e portanto, algum nível de flexibilidade e improvisação são necessários. Gosto bastante do trabalho "sério" de Carrey, neste filme, e em outros como Show de Truman, por exemplo (ainda não vi O Mundo de Andy). O restante do elenco também está muito bem, contando com nomes famosos como Mark Ruffalo, Kristen Dunst e Elijah Wood.



Mas, para mim, é na parte "filosófica" que o filme realmente se sobressai. Muitos filmes partem de uma premissa interessante ou de uma ideia revolucionária mas entregam histórias decepcionantes. Claramente não é o caso aqui. Muitos dos desdobramentos hipotéticos de uma possibilidade de "apagar a memória" aparecem no filme e são desenvolvidos com bastante humor mas também bastante profundidade, especialmente quais seriam as consequências de apagarmos parte de nossas vidas. Um detalhe que acho interessante, por exemplo, é Joel, em um dado momento do filme, não conhecer Dom Pixote, já que sua música característica "Oh querida Clementina" (My Darling Clementine), e portanto o desenho, foram apagados de sua memória no procedimento. Detalhes como esse são geniais.

Sempre digo aqui que um bom roteiro é um grande ponto de partida para um filme bom. Neste caso, é mais que isso. Um excelente ideia, muito bem desenvolvida, e com execução competente, é um caminho aberto para um filme memorável, daquele que diverte e nos faz pensar: "O que eu apagaria da minha memória?"

Nota: 9,1 (12o colocado na minha lista de melhores filmes)